Segredo dos Olhares Partidos

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Em um belo dia, estava eu, mais uma vez, divagando em meus devaneios. Como de costume, refletindo sobre diversas coisas, ações e comportamentos humanos sem rumo e completamente à mercê da minha imaginação.

Até que, em determinado momento, encontro-me com meu parceiro de quimeras, o tão aclamado Mens Mea. Como de costume, seguimos juntos a partir daí.

E, em meio a uma de nossas reflexões, Mens, com uma expressão ansiosa, diz:
— André, veja comigo. Pegue seu celular e abra a câmera!

Sem questionar, respondi:
— Aqui está. E agora?

Ele pausou por um momento, como se buscasse as palavras certas:
— Coloque no modo retrato e olhe no fundo dos seus olhos.

— Certo, mas e agora? Indaguei, confuso.

Mens estudou meu rosto por um instante:
— Não vê nada?

— Apenas a mim mesmo, retruquei.

Com uma face iluminada por alegria e compreensão, Mens respondeu:
— Oh, meu caro amigo, você não vê além da retina?

Hesitei por um momento, depois perguntei:
— O que você quer dizer com isso?

Ele inclinou a cabeça, olhando-me com um misto de paciência e entusiasmo:
— É simples. O olhar de alguém pode dizer muito mais que mil palestras bem elaboradas. Você pode descobrir coisas sobre alguém que seriam ocultas em qualquer outra situação.

Impressionado, eu o incentivei:
— Continue.

Ele assentiu:
— O revirar de olhos, evitar olhares, um gesto sutil logo após uma observação… esses pequenos detalhes revelam muito sobre quem observamos. Pode parecer insignificante, mas para um observador atento, é revelador.

— Interessante, murmurei, absorto em seus argumentos.

Com uma expressão séria e introspectiva, Mens falou:
— Muitas pessoas se escondem por trás de máscaras falsas e sorrisos ensaiados. Eles ocultam suas verdadeiras personalidades, escondendo seus problemas porque temem julgamentos ou desaprovações, mesmo que esses temores estejam apenas em suas imaginações.

Refletindo sobre suas palavras, concordei:
— De fato.

Ele não parou por aí, continuando:
— André, entenda, mesmo que alguém seja mestre em esconder seus sentimentos, o olhar sempre trai. Um observador atento, como eu, pode ver além das máscaras e decifrar segredos.

Franzi o cenho, um pouco incrédulo:
— Apenas pelo olhar?

Ele assentiu, seus próprios olhos brilhando com uma certa intensidade enquanto falava:
— Sim! Dizem que os olhos são as janelas da alma, e há uma razão para tal crença. Eles estão intrinsecamente ligados às nossas emoções e pensamentos mais profundos. Uma pessoa pode ensaiar gestos, mascarar emoções com sorrisos forçados ou posturas confiantes, mas os olhos? Ah, eles são traiçoeiros. Em um momento de distração, de vulnerabilidade, eles revelam aquilo que o coração e a mente tentam esconder. E é justamente nesse breve vacilo, nesse piscar revelador, que as verdadeiras emoções e intenções são desvendadas.

Hesitei, ponderando suas palavras:
— Ainda não sei se posso acreditar totalmente…

Mens, com um olhar de surpresa, como se não esperasse essa resposta, exclamou:
— Vamos ao exemplo prático, então!

Ele estendeu a mão na direção de uma jovem que estava um pouco distante de nós. Ela era de estatura mais baixa, com cabelos encaracolados que brilhavam suavemente à luz ambiente. Embora fisicamente presente, sua postura curvada e o olhar distante sugeriam que seus pensamentos estavam em outro lugar. Seus olhos, quase perdidos, carregavam uma nuance de tristeza.

— Observe — disse ele, sua voz baixa e suave. — Consegue perceber a melancolia em seu olhar?

Segui seu olhar e, tentando perceber o que ele via, respondi:
— Não vejo diferença em suas expressões.

Com uma expressão decidida e um brilho no olhar, Mens retirou do bolso um pequeno dispositivo retangular, ornado com símbolos delicados e luminosos em sua superfície. Ele o segurou por um momento, como se preparando para algum ritual, e então o lançou ao chão com precisão. Instantaneamente, uma vasta tela holográfica se ergueu diante de nós, banhando a área com uma luz suave. Era como se o tecido do tempo tivesse sido esticado, pronto para ser navegado.

— Veja por si mesmo! — Ele instou, seu tom cheio de fervor. Ele manipulou a tela, trazendo uma imagem da jovem de alguns meses atrás. — Veja como os olhos dela brilhavam de maneira diferente, como se carregassem menos peso.

Realmente, mesmo com a mudança sendo discreta, era inegável. O olhar da jovem que havíamos conhecido era mais brilhante e vivo, irradiando uma vivacidade quase infantil. Contrapondo-se a isso, a versão atual dela carregava uma tristeza velada, uma nuance de melancolia que nublava aquele brilho anterior.

Inclinei minha cabeça, aceitando a evidência diante de mim.
— Você está absolutamente certo, Mens. Algo mudou nela, e não foi só o tempo.

Mens inclinou a cabeça lentamente, seus olhos se estreitando com uma determinação inabalável. A luz do ambiente refletiu em nós, dando a impressão de que guardávamos chamas minúsculas.
— Ainda há camadas a serem desvendadas — ele murmurou, quase como se falasse consigo mesmo.

Sua mão se levantou com uma graça etérea e tocou o holograma flutuante. Dedos dançavam sobre a superfície, deslizando com precisão, e o cenário mudava como se estivesse navegando por uma fita de memórias. Quando parou em uma data específica, um resplendor de reconhecimento cruzou seu rosto.
— Aqui — declarou, sua voz tingida de antecipação. — Este é o ponto de inflexão.

Meus olhos foram atraídos para o holograma. Ele mostrava a jovem rindo com uma alegria tão genuína que parecia que o mundo ao seu redor havia se iluminado.
— Ela se parece com alguém que acabou de desvendar um dos maiores mistérios da vida — refleti em voz alta.

Mens lançou-me um olhar perspicaz.
— Nem sempre é um mistério. Às vezes, são apenas momentos simples com um significado profundo.

Ele estendeu o braço, apontando para uma silhueta ao lado da jovem no holograma. Era outra figura, parcialmente obscurecida pela luminosidade.
— E quanto a ele? O que sua intuição lhe diz?

Estudei a figura, notando a maneira como seus olhos se fixavam na jovem, cheios de admiração e talvez algo mais.
— Existe um laço entre eles — concluí, ponderando cada palavra. — Algo mais profundo do que a simples amizade.

Mens sorriu, seus olhos cintilando com uma mistura de satisfação e triunfo.
— Precisamente! Eles compartilham um elo que transcende as palavras. Por mais que tentem esconder ou disfarçar com palavras cautelosas, os olhares entre eles são como faróis, iluminando a verdade.

A fascinação tomou conta de mim, e observei:
— É impressionante a eloquência silenciosa dos olhares.

Sem desviar sua atenção do holograma, Mens destacou uma cena específica. Era um momento íntimo, onde os dois compartilhavam risos, enquanto o mundo ao redor parecia desaparecer.
— Observe essa sutil conexão entre eles, a troca de memórias e o entrelaçar de destinos evidenciado em risadas compartilhadas.

Ponderando suas palavras e a cena diante de mim, admiti:
— A cada segundo, entendo mais a profundidade do que você está mostrando. De fato, os olhares são uma linguagem universal.

Elegante e metódico, Mens avançou o holograma, fazendo os dias se desdobrarem como páginas de um livro.
— Profundemos nossa análise. Veja o que aconteceu no dia seguinte.

Seguindo sua sugestão, vi uma dinâmica diferente emergindo. A nova figura no cenário, enquanto permanecia intensamente conectada à jovem, mudava seu comportamento com os outros.
— Interessante. Com a jovem, sua atenção é inabalável, quase magnética. Mas com os outros, é como se uma máscara descesse — observei.

Mens se virou para mim, um lampejo de orgulho em seus olhos.
— Muito perceptivo! E, com base no que você está vendo, qual é sua inferência sobre a natureza de seu relacionamento?

Refletindo sobre o panorama emocional diante de mim, respondi:
— Sinto que eles estão no precipício de algo grande, talvez um amor que está começando a arder, inextinguível em sua intensidade.

Mens inclinou a cabeça, um sorriso sutil e compreensivo brincando em seus lábios.
— Muito bem observado! — Exclamou. Seus olhos, antes radiantes, assumiram uma nuance mais introspectiva. — E, de fato, a profundidade vai além. Eles parecem estar navegando por aquela fase turbulenta de dependência emocional que muitos relacionamentos enfrentam. Note como o olhar da outra figura se turva de tristeza, quase desespero, toda vez que a jovem toma distância.

Refleti sobre suas palavras, deixando-as marinar em meus pensamentos antes de responder:
— Há definitivamente uma aura de dependência emocional ali. Como se cada momento longe dela fosse um vazio, uma inquietude que só a presença dela pode aplacar.

Mens assentiu com um olhar de aprovação.
— Perfeitamente colocado! — Respondeu. Em seguida, com um movimento suave e prático, manipulou o holograma, fazendo os dias desfilarem diante de nossos olhos. — Agora, avançaremos para o alvorecer deste mês.

Por um momento, seus olhos dançaram pelo holograma, procurando um ponto específico. Quando o encontrou, apontou com entusiasmo:
— Aqui! Observe esta cena. Eles estão de mãos dadas, as almas entrelaçadas em um simples gesto.

Olhei atentamente e não pude deixar de concordar:
— É evidente. Nossa leitura da situação estava impecável.

Havia uma nuance de inquietude pairando nos olhos de Mens, como uma nuvem prestes a derramar sua chuva.
— Estamos no caminho certo, sem sombra de dúvidas — ele articulou lentamente, mais como se estivesse reafirmando algo para si mesmo do que realmente falando comigo.

Ao perceber sua hesitação e o tom carregado em sua voz, questionei:
— O que pesa em seu coração, Mens?

Ele soltou um suspiro profundo e demorado, como se estivesse deixando escapar o peso de uma montanha.
— Por mais que possamos observar momentos de alegria e conexão, não podemos nos esquecer das sombras. Ela ainda está envolta em tristeza, e temo pela parte da história que ainda não exploramos…

Uma sensação de desconforto apertou meu peito, e propus:
— Poderíamos… talvez, escolher não ver? Ficar com a imagem que temos agora e preservar essa sensação de felicidade intocada?

Seus olhos, antes repletos de determinação, agora se amaciaram com uma melancolia palpável.
— Quem me dera pudéssemos escolher ver apenas o belo. Mas a verdade, por mais dura que seja, precisa ser enfrentada.

Respirei fundo, aceitando a inevitabilidade do momento:
— Está bem, Mens. Vamos mergulhar nessa realidade. Espero apenas que possamos encontrar alguma luz ao final dessa jornada.

Com um toque suave, porém decidido, no holograma, as memórias continuaram a se desdobrar diante de nós. O ambiente ao redor de nós tornou-se subitamente frio, como se um vento gélido tivesse surgido do nada, carregando consigo uma promessa de revelações dolorosas.

Mens Mea, com um olhar profundo e misterioso, moveu o holograma para uma data posterior. As memórias se desdobraram, mostrando a jovem sozinha em um parque, sentada em um banco, o olhar perdido e distante, uma expressão de desolação marcando seu rosto.

— O que aconteceu aqui? — perguntei com voz trêmula.

— Os olhares que antes mostravam conexão e amor, aqui revelam uma história de despedida. Veja a jovem perdida em seus pensamentos, lamentando uma decisão tomada ou um evento que mudou seu caminho. — respondeu Mens Mea com um suspiro.

Observei com atenção. No holograma, a figura da jovem começou a tremer, lágrimas escorrendo por seu rosto. Ao longe, a silhueta da figura anterior, apareceu, hesitante, olhando-a de longe, mas sem se aproximar.

— Por que não se aproxima? Por que não a consola? — questionei, com confusão clara em minha voz.

— O olhar também carrega dor, André. Às vezes, duas almas se encontram e se conectam profundamente, mas as circunstâncias as afastam. A distância que vemos aqui pode ser um medo mútuo de causar mais dor. — respondeu Mens Mea.

Balancei a cabeça, tentando assimilar a reviravolta da história.
— Então, o que vem a seguir? Eles se reencontram? Conseguem superar essa barreira?

Mens Mea deu um meio sorriso triste.
— A verdade é que a história deles ainda não terminou. Como observadores, temos a capacidade de perceber os sentimentos e emoções presentes, mas o futuro… isso é algo que nem mesmo os olhos mais perspicazes podem prever.

Ainda olhando para o holograma, André apontou para uma cena que se desenrolava lentamente, onde a jovem, com passos vacilantes, começou a caminhar na direção da figura a distância. Seus olhos estavam inchados e vermelhos, mas havia uma determinação neles.

— Veja, Mens, ela está se movendo em direção a ele. Talvez, mesmo com toda a dor, ainda haja uma centelha de esperança. — Comentei.

Mens Mea observou atentamente e assentiu.
— Pode ser. Às vezes, é preciso um momento de profunda vulnerabilidade para realmente entender o que sentimos e o que desejamos.

Os dois observaram enquanto a jovem se aproximava. Ela hesitou por um momento, respirou fundo e, finalmente, estendeu a mão em direção a ele. Ele, por sua vez, pareceu hesitar, seu olhar oscilando entre a mão estendida da jovem e o rosto dela. Lágrimas silenciosas começaram a se formar em seus olhos.

Então, com uma expressão carregada de dor e pesar, ele recuou, afastando-se dela, deixando a mão dela no ar, sem ser segurada. A jovem pareceu desmoronar por dentro.

Chocado, exclamei:
— Por que ele fez isso? Ela estava dando uma chance!

Mens Mea, com um suspiro profundo, respondeu:
— O medo do passado, a sombra das memórias, às vezes, pesa mais do que a esperança do presente. Ele está tão ferido quanto ela, e talvez acredite que afastar-se seja o melhor para os dois.

No holograma, a jovem caiu de joelhos, enquanto a figura pouco visível começou a se afastar.

— É tão doloroso ver isso, Mens. — Murmurei. — Parece que o amor deles se transformou em um poço de mágoas.

— Bem, o amor, por mais puro que seja, pode ser obscurecido pelas tempestades da vida. Eles claramente se amam, mas as feridas que carregam parecem ser demais para superar. — Disse Mens Mea.

Refletindo, disse eu:
— Eles tiveram tantos momentos felizes. Será que tudo isso foi em vão?

Mens Mea respondeu com gentileza:
— Nenhum momento de amor é em vão. Mas, às vezes, amar também significa reconhecer quando é hora de deixar ir.

Continuamos observando enquanto a jovem, lentamente, se levantava e caminhava na direção oposta.

Mens Mea, com uma voz suave, murmurou:
— Talvez, no futuro, seus caminhos se cruzem novamente. Mas, por enquanto, eles precisam seguir seus próprios caminhos, buscando cura e paz.

Eu, embora ainda triste, assenti.

E, submersos em um silêncio pensativo, retomamos ao ponto inicial de nossas observações. Entretanto, ao olhar ao redor, o cenário havia mudado. Não estávamos mais naquele universo holográfico, mas em uma rua movimentada de uma cidade. Pessoas passavam apressadas, cada uma com sua história, seus traumas, seus amores e desamores.

Olhando ao redor, questionei:
— Mens, por que estamos aqui?

Mens Mea, com um olhar penetrante, respondeu:
— Para entender que a mudança, por mais dura que seja, é uma constante na vida de todos. As ruas estão repletas de histórias de amor, de dor, de transições e de recomeços.

Ao observar mais de perto, comecei a notar expressões familiares nos rostos das pessoas. Era como se pudesse ver, mesmo que por um breve momento, as incontáveis mudanças e adaptações que cada um havia enfrentado. Em alguns, havia risos genuínos, em outros, um olhar vago e distante, carregado de saudade ou tristeza.

— É surpreendente — murmurei — como as pessoas carregam suas histórias nas expressões, nos gestos, nos olhares.

— Sim — assentiu Mens Mea — e cada história é uma jornada. Algumas pessoas se afastam, outras se aproximam. Algumas cicatrizes curam, outras permanecem. Mas a vida, em sua constante dança de mudança, continua.

Olhei para o céu, que começava a ganhar tons alaranjados com o pôr do sol.
— Sabe, Mens, talvez a mudança seja realmente inevitável. E talvez aceitar isso, entender que somos moldados e remoldados pelas circunstâncias, seja a verdadeira arte de viver.

Mens Mea colocou a mão no meu ombro e disse:
— Talvez, André. E talvez, ao aceitarmos essa verdade, encontremos paz, não só com os outros, mas principalmente conosco.

Então continuamos caminhando, imersos em pensamentos, mas com uma nova compreensão sobre a complexidade da mudança e do amor humano. E, enquanto o sol se punha, o horizonte parecia brilhar com uma promessa de novos começos.


Caro leitor(a), gostaria de saber suas impressões sobre o que leu até agora. Esta é minha primeira tentativa de entrelaçar literatura com experiências pessoais e algumas das minhas habilidades de escrita. Me inspirei em diversos dos meus textos e reflexões passados. Para aprofundar-se, recomendo a leitura dos seguintes: